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quarta-feira, 23 de novembro de 2011

A experiência de quase morte







Luz no fim do túnel: saída ou porta de entrada para uma outra vida? As visões de quem esteve à beira da morte são impressionantes.


 A empresária Marisa Cruz Brillinger e o advogado Solon Michalski não esperam que alguém acredite no que eles viram do outro lado. Mas estão convencidos de que voltaram diferentes. "Eu tive a tal viagem que é muito conhecida: a viagem pelo túnel. A descrição é comum", conta Solon.
Naquela manhã, algo dizia que Marisa tinha de pedalar no Parque Ibirapuera, em São Paulo. E veio o inesperado. "Eu andei menos de 500 metros e tive uma dor alucinante no lado direito da minha cabeça. Eu me lembro da viatura, mas não do Fernando. Eu fiquei sabendo dele através de uma amiga minha", diz a empresária.
No meio de milhares de pessoas, o cabeleireiro Fernando Calçolari prestou atenção na desconhecida. "Pela expressão, eu vi que ela não estava bem. Fui avisar a viatura e quando eu voltei, ela já estava sentada na calçada. Neste momento, ela foi para a cadeira e ficou deitada. Nisso a viatura já estava se aproximando", lembra.
Marisa foi levada a um hospital. Tinha sofrido um derrame. No quarto, sua última lembrança é de uma moça oferecendo um copo d'água. "Eu tomei a água e vomitei. E saí por essa água. Não era um túnel, não era um funil – era água", descreve.
Desacordada, em coma, numa UTI. E, ao mesmo tempo, partindo para uma viagem surpreendente. "Cheguei num lugar cinza. O ar era pesado, parecia que tinha uma névoa. E tinha um homem muito grande, um guerreiro. Aí, comecei a falar com ele. Pedi perdão ao general. Mas ele não me olhava", conta Marisa.
A empresária diz ter regredido a uma outra vida, por causa de algo ruim que fez no passado. "Eu não era leal. Articulei batalhas para ele, mas eu articulei matá-lo. E a morte foi a punhaladas", acredita. Tudo teria acontecido há 4 mil anos.
"Eu sempre digo que basta olharmos no espelho, todos os dias, para sabermos o que fizemos de bom e de ruim. Ninguém precisa acusar", comenta Marisa.
O mais incrível é que depois de tanto sofrimento, ela não teve o perdão que esperava. Assim mesmo, acha que não perdeu a viagem. "Eu acredito que ele teve esta oportunidade para evoluir, mas ele não quis. É livre arbítrio dele. Mas o grande ensinamento que me passaram foi: não faça para não ter que pedir perdão".
Marisa voltou do coma cheia de histórias. E, para a surpresa dos médicos, sem nenhuma seqüela do derrame. "Quando eu cheguei no quarto para conversar, ela se encontrava sentada no sofá, e o marido estava sentado na cama. Foi uma surpresa – ela estava arrumada e bonita. E isso me surpreendeu", diz o cardiologista Rodrigo César Bazzo.
A empresária quis saber quem era o desconhecido que a salvou no parque. E ganhou um amigo. "Eu acho que a vida é isso: as pessoas passam, e a gente tem que prestar atenção", constata Marisa.
A chamada experiência de quase morte tem se tornado mais comum à medida em que a medicina avança. Técnicas de ressuscitação do coração e dos pulmões permitem o socorro de pacientes que, há algumas décadas, dificilmente, voltariam à vida.
Médicos que trabalham em UTIs ouvem histórias ricas em detalhes. Relatos de pessoas que não admitem a possibilidade de terem tido alucinações.
"Elas falam que isso foi a coisa mais real que já viveram na vida. E é isso que diferencia de uma experiência conduzida por uso de drogas, seja abusivo ou terapêutico", ressalta o neurocirurgião Paulo Porto de Mello, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Quem passa por essa experiência conta que, em algum momento da viagem, se vê diante de um filme, com um roteiro bem familiar. Um resumo da própria vida projetado numa tela imaginária. Cenas do que foi feito de bom e de ruim até aquele instante. O filme traz, em si mesmo, uma revelação: ainda não está pronto. E voltar à vida é a chance de escolher o melhor final para essa história.
"As pessoas se voltam um pouco mais para a família, para ações que possam produzir o bem comum e que tenham um efeito social mais significativo", diz Paulo Porto de Mello.
Hoje, um tranqüilo Solon brinca com o filho Frederico. Mas nem sempre foi assim. Ele já foi um jovem briguento, turrão. "Havia uma revolta muito grande dentro de mim, muitas coisas que eu não entendia. E a partir de 1969 eu passei a entender a vida de uma outra forma", diz ele.
Em 1969, a vida de Solon esteve por um fio. Ele quase morreu num acidente de carro. E, em coma, percebeu algo que todos os seus sentidos, juntos, ainda não haviam mostrado a ele: a sua vida era marcada pela agressividade. Cenas que Solon nunca esqueceria.
"Passou o filmezinho da minha vida. E passaram coisas que eu não imaginava que fossem vergonhosas. Naquele momento eu senti uma extrema vergonha de ver como eu era horrível", conta Solon.
A experiência foi transformadora. E o rapaz revoltado já era outra pessoa. Para orgulho do pai, seu Damon Michalski. "Depois que viveu essa experiência, ele baixou a bola, como dizem. Ele passou a ser gente, a se interessar pelas pessoas", avalia.
"Acho que foi uma colher de chá que eu ganhei", conclui Solon.

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